Monday 16 April 2012


Vença a vontade de comer

Quando chegaram ao hospital da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, as duas crianças estavam perigosamente obesas. A gordura envolvia de tal modo os corpos que era difícil para elas andar. A menina de 8 anos pesava 85 quilos. Quase 60% de seu corpo se constituíam de gordura. O primo de 2 anos já pesa­va em torno de 30 quilos. Eles sen­tiam fome o tempo todo. Nada que os pais ou os médicos fizessem os impedia de comer – ou de engordar.

Então ocorreu uma espécie de mi­lagre. Os médicos injetaram nas crianças a versão geneticamente modificada de um hormônio que controla o apetite e o metabolismo. “Em poucos dias, a fome deles amai­nou”, lembra Sadaf Farooqi, um dos médicos que trataram as crianças. “Sem nenhum incentivo externo, depois de duas semanas, elas estavam ingerindo 90% menos calorias.” A gordura começou a desaparecer. Ao fim de um ano, as crianças tinham peso normal para a idade.

Esse é o sonho de todos que fazem dieta: um tratamento que emagreça pela mágica supressão da fome. Na realidade, as crianças tratadas em Cambridge fazem parte de um grupo de talvez uma dúzia de pessoas em todo o mundo com um problema genético que as obriga a comer sem parar, sem nunca se saciarem. Mas seu caso extraordinário mostra os avanços da ciência para entender por que algumas pessoas são magras e outras são gordas, por mais dietas que façam. As últimas descobertas sobre a genética, proteínas, hormônios e vírus podem, dentro de pouco tempo resultar em perda de peso personalizada e mesmo numa vacina ou num comprimido para “curar” a gordura.

crianças gordas brincando cabo de guerra

Sobrevivência dos gordos

“No mundo de hoje, a verdadeira pergunta não é por que as pessoas estão engordando, mas porque algumas conseguem se manter magras.” diz Eric Ravussin, cientista do Centro de Pesquisas Biomédicas Pennington, na Louisiana.

“As pessoas que, quando havia alimentos disponíveis, conseguiam ingerir muitas calorias e armazená-las eficientemente em forma de gordura eram as mais propensas a sobreviver a períodos de fome e transmitir seus genes”, explica Ravussin. “Durante milhões de anos, a evolução favoreceu pessoas desse tipo genético “econômico”. Só agora, num ambiente de restaurantes, supermercados e lanchonetes em quase toda esquina, isso se transformou num problema.

Nem todos nós possuímos genes econômicos. “As populações que vi­viam como caçadores-coletores eram provavelmente mais vulneráveis a períodos de fartura e escassez; por­tanto, a pressão evolucionária foi mais intensa para selecionar genóti­pos econômicos”, prossegue Ravus­sin. As populações agrícolas armaze­navam alimentos para o inverno – uma alternativa a guardá-los como gordura corporal. “À medida que evoluíam, elas podem ter começado a perder o genótipo econômico.”

Assim, embora algumas pessoas possam comer tudo que quiserem e continuar magras, elas são exceções evolucionárias, não a norma, adverte Ravussin. A maioria de nós tem um perfil genético que nos faz engordar quando há fartura de alimentos.

As dietas mais conhecidas cultivam o mito de que a obesidade é decorrente da falta de força de vontade. Mas Jeffrey Friedman, da Rockefeller University, importante pesquisador dos motivos da obesidade, garante que isso não é verdade. Diz ele: “Os genes desempenham papel tão importante na determinação do peso quanto da altura”.

O interruptor da fome

Em algum momento da escala evo­lutiva, as células adiposas passaram a se comunicar com o cérebro. Essa co­municação começou a ser entendida em 1994, quando Friedman descobriu um hormônio chamado leptina, “que faz parte de um sistema complexo que regula a gordura corporal e a fo­me”, explica Friedman. “Quando en­gordamos, as células adiposas libe­ram leptina, que avisa ao cérebro que suprima o apetite.” Além disso, a leptina envia uma mensagem para au­mentar o metabolismo. “Ao queimar­mos gordura, os níveis de leptina caem e o centro do cérebro responsável pela fome diz: “Coma”

As crianças de Cambridge tinham uma deficiência genética que impedia o organismo de produzir leptina. Com a descoberta da leptina e a pro­va de seus efeitos dramáticos em pa­cientes com deficiência do hormônio, os cientistas, radiantes, imaginaram que haviam afinal achado a solução para quem fazia dieta. Mas a deficiência extrema de leptina é muito rara. Paradoxalmente, de 85% a 90% dos obesos na verdade apresentam níveis mais elevados do que o normal.

O professor William A. Banks, da Universidade de St. Louis, há pouco tempo ofereceu uma explicação ins­tigante para a resistência à leptina: talvez o hormônio inibidor da fome tenha dificuldade de alcançar o cé­rebro. Em desco­bertas divulgadas em março, Banks mostrou que os triglicerídeos – partículas de gor­dura no sangue – podem atrapalhar o funcionamento da barreira san­gue-cérebro, dificultando a passagem da leptina. “Quando a pessoa ganha peso, os níveis de triglicerídeos so­bem, o que pode impedir a leptina de chegar ao cérebro”, explica Banks, que conduz suas pesquisas no VA Medical Center, em St. Louis. “A pes­soa sente fome e come mais, acumu­lando ainda mais gordura.”

Sejam os triglicerídeos ou outros fatores que bloqueiam a leptina, quando a pessoa se torna obesa, a re­sistência ao hormônio dificulta a per­da de peso. O indivíduo resistente precisa de mais leptina para conter o apetite. Mas, quando as células adi­posas murcham, caem os níveis do hormônio. Essa queda provoca aces­sos de fome e torna mais lento o me­tabolismo. O cérebro reage como se estivesse diante de uma escassez de alimentos, economizando energia e compelindo-nos a comer, comer e comer. A cada quilo de gordura que se vai, fica mais difícil perder peso e assim se manter.

"Um metabolismo rápido ou lento é característica familiar. A taxa pode variar em até 500 calorias por dia".

As descobertas mostram por que tanta gente que perde peso acaba por recuperá-lo. Mas também oferecem esperança. Ao se voltarem para os processos bioquímicos que controlam a fome e a saciedade, os cientis­tas já apontam novos e promissores caminhos para vencer a obesidade. Pesquisadores da Universidade Roc­kefeller estão testando se a aplicação de leptina em pessoas que perderam peso significativo poderia ajudá-las a se manter magras. Outras substân­cias bioquímicas também podem render remédios de combate à gor­dura. Recentemente Friedman anun­ciou a descoberta de uma enzima chamada SCD-l – controlada pela leptina -, da qual o organismo neces­sita para produzir células adiposas. Quando pesquisadores da Universi­dade de Wisconsin eliminaram o ge­ne que produz a SCD-l em ratos, os animais ingeriram refeições ricas em gordura sem ganhar peso.

O vírus da gordura

Enquanto alguns estudiosos buscam a origem da obesidade nos ge­nes, outros investigam as infecções. Há duas décadas os cientistas sabem que alguns vírus podem engordar aves e mamíferos. Agora Nikhil V. Dhurandhar, bioquímico nutricional da Universidade Estadual de Wayne, em Detroit, acredita ter descoberto um organismo que pode causar obe­sidade em seres humanos.

O suposto responsável é o adeno­vírus humano-36, ou AD-36. Num estudo publicado em 2002, Dhu­randhar mostrou que, injetado em macacos, o AD-36 provoca enorme ganho de peso. Em alguns animais, o vírus chegava a triplicar a gordura corporal. É antiético inocular o vírus em seres humanos, é claro. Entre­tanto, numa análise de mil pessoas, Dhurandhar e colegas descobriram que aquelas que apresentavam anti­corpos do AD-36 – sinal de que ha­viam sido infectadas – eram mais propensas a serem obesas.

Como um vírus poderia engordar? Quando as células adiposas são ex­postas ao AD-36, descobriu Dhu­randhar, elas começam a se multipli­car. “Não estou dizendo que toda obesidade seja causada pelo vírus. Genética, metabolismo, hábitos, tudo isso tem influência”, reconhece ele. “Mas pelo menos parece que ou­tra possibilidade é a infecção.”

Até agora, ninguém sabe o alcan­ce do AD-36 ou a importância do pa­pel que ele talvez desempenhe na atual epidemia de obesidade. Se as suspeitas de Dhurandhar se confirmarem, o passo seguinte seria a cria­ção de uma vacina.

O gene da irrequietação

Supondo que não sejamos porta­dores de nenhum vírus exótico, nos­so peso vai ser determinado, em par­te, pelo quanto comemos. Igualmente importante é o quanto nos movimen­tamos, e também aqui os pesquisado­res vêm descobrindo que os genes desempenham um papel central. O cientista Eric Ravussin descobriu que a taxa metabólica basal – o número de calorias que gastamos apenas para manter as funções vitais – varia entre as pessoas em até 500 calorias por dia. Um metabolismo rápido ou lento é uma característica familiar, provan­do ser geneticamente controlado.

As experiências de Ravussin reve­laram outro traço que determina a velocidade com que queimamos calo­rias: a irrequietação. “Algumas pes­soas balançam as pernas ou tamborilam os dedos, e assim se mexem mais do que outras”, ilustra Ravussin. É uma tendência familiar. Num estudo recente da Unidade de Pesquisas En­docrinológicas da Clínica Mayo, em Minnesota, o médico James Levine deu a 16 voluntários mil calorias ex­tras por dia. Dois meses mais tarde, as pessoas irrequietas do grupo pesa­vam o mesmo de antes; quem mal se mexia ganhara cinco quilos.

Levine descobriu que as pessoas irrequietas eram mais sensíveis às calorias. “Elas inconscientemente aumentavam o nível de atividade depois de comer em excesso”, explica. Os pesquisadores identificaram uma proteína que, ministrada a animais, provoca irrequietação. Eis o relato de Levine: “Ao receberem a proteí­na, os ratos começam a correr pela gaiola. Quando param de tomar as injeções, voltam ao estado anterior de indolência.”

Cientistas já testaram várias subs­tâncias de estímulo metabólico em seres humanos, mas os efeitos cola­terais são arriscados para uso regu­lar como remédio. Ainda assim, es­tão confiantes na proximidade de uma grande descoberta.

Mudando o mundo

“Não podemos ignorar a genéti­ca”, diz Steven Heymsfield, que es­tuda metabolismo e obesidade no St. Luke’s-Roosevelt Hospital Center, em Nova York “Mas tampouco podemos ignorar o ambiente.”

O ambiente é algo que podemos mudar. “Afinal de contas, escolhemos o mundo onde vivemos, tanto individual quanto coletivamente”, diz Chames Billington, diretor-adjun­to do Centro de Pesquisas da Obesi­dade da Universidade de Minnesota. “Cabe a nós decidir o que comer e o que deixar de comer. Cabe a nós de­cidir se queremos assistir a uma hora de televisão ou sair para caminhar. Somos moldados pelos genes, mas não somos vítimas deles.”

As últimas descobertas genéticas oferecem esperança a pessoas gor­das e obesas. “Os pacientes costu­mavam pôr a culpa da obesidade nas glândulas e nos hormônios, e nós, médicos, dizíamos: ‘Não são os hor­mônios, são as calorias’”, lembra Banks. “Agora sabemos que os hor­mônios têm participação.”

E os ataques de fome que esses hormônios produzem podem ser tão intensos em algumas pessoas que elas não conseguem resistir. Fried­man, cuja descoberta da leptina desencadeou a pesquisa de medica­mentos que reduzem a absorção de gordura, diz ser injusto esperar que pessoas gravemente obesas usem a mera força de vontade para combater as imperativas forças genéticas que as levam a engordar. “As pessoas podem fazer dieta e perder cinco ou sete quilos. Mas a verdadeira obesi­dade não é uma questão de força de vontade; é um problema médico”.
Colaboração do Professor Jenner Cruz

Transcrito do original da revista seleções Reader’s Digest – Setembro de 2004

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